O curriculum vitae é o documento que mostra o curso da vida de alguém, o caminho que ela percorreu em alguma área da vida e que mostra a sua experiência.
Como todo registro, um currículo é um ato de memória. Mas, que tipo de evocação essas informações trazem?
Eu já tive a oportunidade de analisar muitos currículos, especialmente em bancas de concurso para professor do Magistério Superior, e sempre me perguntei o que não estava ali. Quais informações importantes sobre a pessoa eu não estava vendo?
Quando analisamos os currículos procuramos a comprovação de determinadas capacidades e habilidades que estamos buscando. Mas currículos são recortes da experiência de alguém, e obviamente não nos permitem conhecer a pessoa além daquelas informações que ela mesma fornece e comprova, e para fins muito específicos. Olha só o meu currículo Lattes, que é o padrão que nós usamos para finalidades acadêmicas no Brasil: http://lattes.cnpq.br/3533867850666381
Quem lê o meu currículo percebe o meu interesse investigativo em alguns temas óbvios: Direito, direito à memória, patrimônio cultural e políticas públicas de preservação.
Mas, o que você não consegue perceber quando lê o meu currículo?
a) Que eu não estudo apenas esses temas. Eu faço estudos em áreas diferentes, específicas, e também estudo temas que parecem ser absolutamente inúteis.
Sou motivo de piada para os meus irmãos porque às vezes estou me aprofundando em algum assunto bizarro e seguindo os procedimentos de metodologia da pesquisa rigorosamente. Eu faço fichamentos de documentos exóticos, discuto e problematizo temas que algumas pessoas poderiam considerar irrelevantes ou indignos de um segundo olhar, e isso tudo se intensificou na pandemia.
Essa é uma parte da minha vida que provavelmente nunca constará do meu currículo.
b) A paixão que eu tenho pelos temas que eu estudo. Eu penso em memória, direito à memória e patrimônio cultural na maior parte dos meus dias, e até sonho com isso (http://direitoamemoria.blogspot.com/2013/06/salvem-o-torrone.html).
c) Um curriculum vitae não é o que a pessoa fez, é a própria vida da pessoa. Os finais de semana estudando e escrevendo livros e artigos; as vezes que deixamos de ficar com as pessoas amadas para trabalhar; noites insones; a aventura buscando os materiais de pesquisa e a frustração por aquele livro ou artigo que a gente não conseguiu encontrar, e a alegria de ver um trabalho aceito e publicado. Escrever com dor de cabeça, estudar com dor de barriga, estudar quando perdemos um ente querido, escrever e estudar entre lágrimas.
Nenhum currículo deixa transparecer a humanidade do trajeto, nem o particular significado de cada um daqueles trabalhos que estão ali registrados.
d) Que eu pratico artes marciais desde pequena. Que eu danço. Que eu canto, muito mal, mas nem por isso deixo de fazê-lo. Que eu tocava piano, mas agora evito. Que eu atento poemas.
Que eu sou extremamente curiosa, e por isso acho que tudo merece ser estudado, inclusive a vida alheia. Que às vezes basta ter a informação, e que nem tudo deve ser publicado.
e) Que o percurso não é individual. O currículo de alguém é o que ela fez com a ajuda de muitas pessoas: professores, orientadores, colaboradores, críticos, autores consultados.