Duas questões se apresentam: por que a maioria dos brasileiros não comemora essa data? Por que existe uma distância tão grande entre a comemoração prescrita na lei e a que realmente acontece?
Segundo as minhas pesquisas, a primeira referência ao Sete de Setembro como feriado foi encontrada no Decreto nº 1285, de 30 de novembro de 1853, que instituiu as férias forenses, mas não há indicação de tratar-se do Dia da Independência.
Em 1920, Decreto nº 4.175 autorizou o Poder Executivo a promover a comemoração do Centenário da Independência Política do Brasil, destacando no seu art. 2º a preferência pela realização de uma Exposição Nacional na capital da República. Em 7 de setembro de 1922 foi inaugurada tal Exposição, que além de pontuar o centenário da Independência, também tinha a finalidade de mostrar o progresso do Brasil como nação republicana.
Posteriormente, a Lei nº 5.571, de 28 de novembro de 1969, instituiu e denominou a data do Sete de Setembro como o “Dia da Independência”, devendo ser comemorado anualmente em todo o território nacional, cabendo ao Ministério da Educação e Cultura organizá-lo, em cooperação com as Secretarias de Educação do Estado e das Prefeituras.
A finalidade dessa comemoração, conforme art. 3º da referida Lei, consiste em exaltar a idéia da “Pátria”, estimulando o amor à liberdade, o culto às tradições nacionais, além de elevar o sentimento de solidariedade e amor ao trabalho construtivo, como fatores de preservação e fortalecimento da Independência.
Essa celebração tem o escopo de explicar ao povo o significado político da Independência. Se considerarmos que essa Lei foi editada em 1969, no auge da Ditadura militar, poderemos compreender o distanciamento popular e, diga-se, ideológico, existente entre a letra da Lei e da realidade dos desfiles “cívicos”, que têm a rara participação dos cidadãos. Até mesmo visualmente pode-se constatar que a população fica à margem da comemoração, apenas como desfile caracteristicamente marcial e solene, que em nada lembra o costume das festas populares no Brasil, cujo grau de espontaneidade é tão exaltado.
Outro ponto a ser destacado é que a Lei nº 5.571/69 prevê em seu art. 3º que a Independência do Brasil será celebrada através de “festas e espetáculos públicos, preferentemente de cunho folclórico, palestras e conferências, se possível irradiadas e televisadas, exposições, divulgação de poemas, artigos, estudos, contos, fotografias e outros alusivos à data”.
Não obstante, não se verifica a realização desses eventos patrocinados pelos entes e órgãos competentes no perfil desenhado pela Lei: de fato, a única manifestação que se conseguiu observar, porém ainda de forma assistemática, é a realização de um desfile de caráter militar, sem qualquer referência à tradição cultural e ao folclore brasileiro.
Na verdade, a celebração do “Dia da Independência” coincidiu com uma necessidade estratégica do Governo de fortalecer a sua propaganda política, finalidade essa explicitada no parágrafo único do art. 3º da citada Lei, onde há a previsão de que, sempre que possível, faça-se coincidir com essa data a inauguração de obras públicas e particulares, capazes de realizar o significado para o progresso nacional.
As comemorações procuram criar um envolvimento emocional, proporcionando o “desabrochar de sentimentos comunitários” que favorecem a coesão social, como destaca Lúcia Oliveira (2000, p. 189). Quando há uma dissociação entre a vida da sociedade os ritos e imagens que integram a iconografia oficial, a relação do povo com esses símbolos é meramente formal, daí porque a população não os experiencia com plenitude (CASTRO; ORTIZ, 2004), que é o ocorre com o “Dia da Independência do Brasil”.
Como afirma Walter Benjamin (1994, p. 253) “toda experiência profunda deseja insaciavelmente, até o fim de todas coisas, repetição e retorno, restauração de uma situação original que foi o seu ponto de partida”. Se a essência da representação não é fingir, mas reviver continuamente, então indaga-se: como o brasileiro revive e comemora a Independência?
Alguns ficam parados à margem da comemoração, assistindo ao desfile cívico, dos quais poucos participam ativamente. A maioria vai à praia ou a outras atividades de lazer.
E alguns, como eu, têm a sensação de que essa comemoração poderia ser diferente, mais apropriada pelos cidadãos, mais festiva e significativa do que se apresenta todo ano.
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. Obras escolhidas, vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1994.
CASTRO, I.C.; ORTIZ, C.G. El derecho a la memória. Disponível em:
DANTAS, Fabiana Santos. Direito fundamental à memória. Curutiba: Juruá, 2010.
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Imaginário histórico e poder cultural: as comemorações do Descobrimento. Estudos Históricos, Rio de janeiro, vol. 4, nº 26, p. 183-202, 2000.